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O aumento do foco relativamente à saúde mental tem impulsionado a população a informar-se sobre as necessidades básicas, os pilares do bem-estar e sobre os diferentes tipos de perturbações mentais existentes e qual o seu impacto na vida dos sujeitos. Neste artigo vamos abordar e desmistificar a Perturbação de Personalidade Paranoide.

A perturbação de Personalidade Paranoide pertence ao Cluster A das perturbações de personalidade que corresponde a uma condição caracterizada por crenças e/ou comportamentos excêntricos, peculiares e pouco usuais. Dentro deste grupo encontramos ainda a Perturbação de Personalidade Esquizoide e a Perturbação de Personalidade Esquizo-típica.

A Perturbação de Personalidade Paranoide é caracterizada por um padrão generalizado de desconfiança e suspeita injustificada e uma distorção da perceção e do pensamento. Estas características procuram proteger o sujeito da possibilidade de o outro pretender prejudicá-lo ou enganá-lo de alguma forma, mesmo que não existam razões ou qualquer evidência aparente para a presença desses sentimentos. Esta inflexibilidade e rigidez em adotar e/ou aceitar explicações alternativas acaba por impactar o modo como o sujeito pensa, sente e age na sua rotina diária e em interação social.

Este tipo de perturbação costuma surgir com maior frequência no fim da adolescência e início da idade adulta, no entanto, é frequente o sujeito com Perturbação de Personalidade Paranoide procurar o apoio de profissionais de saúde devido ao impacto dos sintomas (depressivos e/ou ansiedade) na sua vida pessoal (divórcio ou rutura de relacionamentos) e/ou profissional (conflitos com colegas, perda de emprego, dificuldade de concentração), e não devido à personalidade paranoide, pois, geralmente, o sujeito não reconhece que exista qualquer problema na forma como se comporta ou como pensa. Neste momento, ainda não se sabe exatamente a causa da Perturbação de Personalidade Paranoide, no entanto, considera-se que envolve uma combinação de fatores biológicos e ambientais. Relativamente ao diagnóstico, é necessário ter em atenção que é comum existirem comorbilidades (ex. ansiedade, depressão, esquizofrenia, entre outras), sendo necessário apresentar quatro ou mais dos critérios abaixo de forma consistente e em idade adulta:

  • Constante estado de alerta (evitam descuidos ou riscos desnecessários que os possam colocar numa posição em que possam ser magoados);
  • Evitamento do mundo das emoções (privilegiam o mundo cognitivo, pois percecionam as emoções como mostrar fraqueza, colocando-os numa posição favorável a serem atacados. Esta crença leva a que seja difícil reconhecerem e explorarem emoções que, por sua vez, dificulta o estabelecimento de relações próximas);
  • Desconfiança e suspeita persistente (confiar nos outros é uma tarefa difícil, levando a que estejam num estado constante de questionamento sobre os motivos dos outros para se aproximarem deles, percecionando boas interações sociais como formas de ganharem a sua confiança para os magoar);
  • Necessidade de ser autossuficiente e ter o máximo de coisas sob controlo;
  • Facilidade em sentir-se atacado (o seu carácter ou reputação) e reagir impulsivamente com ira ou contra-atacar (embora não reconheçam agressividade ou hostilidade nos seus comportamentos. Sentem que estão sempre certos e não conseguem equacionar o seu papel no problema ou conflito, pois apenas se estão a comportar como acham que os outros se vão comportar com eles);
  • Apresentam preocupações e dúvidas injustificadas sobre o nível de confiança dos amigos ou colegas de trabalho (esta desconfiança pode ser confundida com tendência ao isolamento, no entanto, o isolamento prende-se com o facto de se sentirem desconfortáveis com a proximidade do outro, pois relações íntimas aumentam a vulnerabilidade);
  • Examinam atentamente o outro e têm dificuldade em perdoar quando sentem que foram prejudicados ou insultados de alguma forma, mesmo quando a interpretação que fizeram da situação pode estar errada, pois acreditam existir sempre um significado oculto que pode ser negativo, hostil ou ameaçador (levam a sério tudo é que é dito e raramente são capazes de esquecer ou aceitar uma traição de ânimo leve);
  • Tendem a ter suspeitas injustificadas e recorrentes que o cônjuge é infiel (adotam uma postura inquisitiva podendo originar conflitos com os companheiros, amigos ou família pelo constante questionamento sobre atividades ou motivos dos outros).

Tratamento

O tratamento geral da Perturbação de Personalidade Paranoide segue as mesmas diretrizes de todas as perturbações de personalidade, embora seja necessário ter em atenção alguns aspetos devido à dificuldade em confiar dos sujeitos com personalidade paranoide. É essencial o plano de tratamento incluir diversas abordagens e valências que promovam a capacitação do sujeito nas suas várias áreas de vida, bem como que se foquem nas diferentes necessidades do mesmo.

O acompanhamento individual é a melhor forma de criar um espaço em que o sujeito se possa sentir seguro, compreendido e ajudado na sua busca por recursos e ferramentas que permitam gerir as suas dificuldades e vulnerabilidades. Através do acompanhamento psicoterapêutico pretende-se potenciar a consciencialização dos padrões de pensamento e comportamento menos funcionais através da criação de caminhos alternativos mais adaptados, bem como aumentar a sensação de autoeficácia, autoconfiança e aceitação de si e das suas características.

O tratamento neste tipo de perturbação é diversas vezes comprometido pelo nível geral de suspeita e desconfiança dos sujeitos, chegando os mesmos a questionar os motivos do terapeuta, que dificulta o estabelecimento de uma aliança terapêutica e o comprometimento com o plano de tratamento definido com a equipa multidisciplinar. Com isto em mente, é essencial que os profissionais de saúde adotem uma postura de transparência e possam devolver e validar os receios do sujeito, facilitando a aliança terapêutica. Esta aliança vai permitir que haja uma maior adesão ao acompanhamento psicoterapêutico (ex. terapia cognitivo-comportamental) e ao tratamento farmacológico prescrito para regular sintomas específicos. A eficácia dos tratamentos irá depender do grau de compromisso do sujeito e da precocidade com que são iniciados. No caso dos sujeitos não serem acompanhados, existe a possibilidade de impactar as suas relações interpessoais, as suas competências de socialização e a interação no local de trabalho.

A psicoeducação é essencial para que não se criem estigmas acerca da Perturbação de Personalidade Paranoide que pode intensificar a instabilidade psicológica e sentimento de vergonha dos sujeitos, atrasando a procura de ajuda e início dos tratamentos. É, portanto, relevante reter os seguintes factos sobre este tipo de perturbação:

  • A personalidade paranoide não consiste em falsas crenças, mas sim num constante medo que os outros estejam a planear magoá-los de alguma forma;
  • Não existem alucinações na personalidade paranoide a não ser quando existem comorbilidades que detenham esse sintoma como na esquizofrenia;
  • O isolamento das pessoas com personalidade paranoide não é apenas uma desadequação social, mas sim uma dificuldade em confiar e acreditar nos outros, impactando o estabelecer de relações interpessoais;
  • Ainda não é conhecida a causa exata da personalidade paranoide. Os estudos apontam que seja originada por uma conjugação de fatores biológicos (o material genético da pessoa pode ser mais propício ao desenvolvimento de uma perturbação de personalidade) e ambientais (como no caso do trauma físico e/ou emocional);
  • O tratamento deste tipo de perturbação pode ser desafiante, pois é necessária consistência no tratamento psicoterapêutico (terapia cognitivo-comportamental, terapia familiar, entre outros) e farmacológico, algo difícil para os sujeitos que sofrem de personalidade paranoide devido à dificuldade em confiar nos profissionais de saúde.

Se nos continuarmos a educar e a partilhar informações fidedignas com os outros, iremos promover uma maior literacia e diminuir o estigma muitas vezes originado por informações erradas. Não devemos esquecer que não existe saúde sem saúde mental, então não devemos descurar da nossa e temos de procurar a ajuda de um profissional de saúde sempre que sentirmos necessidade.

Micaela Gonçalves

Psicóloga Clínica. Autora dos artigos “Relações Familiares em tempos natalícios” e “Perturbação Bipolar: Entre a Depressão e a Mania

Imagem Por, Delutic Art, “Paranoia #3” (Foundation)

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