Atualmente a importância da saúde mental tem sido enfatizada levando a que exista uma proliferação de informação relativamente às diversas perturbações mentais que nem sempre correspondem à realidade. Provavelmente, em algum momento da tua vida já te deparaste com uma situação em que um amigo/familiar, por notar uma alteração repentina no comportamento e/ou humor, disse que alguém parecia bipolar, utilizando erradamente um termo correspondente a uma perturbação de humor. É natural que ocasionalmente possas experienciar flutuações de humor originadas por situações do nosso quotidiano, não querendo isto significar que tem uma Perturbação Bipolar.
Deste modo, torna-se importante desmistificar o conceito de Perturbação Bipolar. Esta perturbação é caracterizada por uma alternância entre episódios maníacos (marcados por períodos de grande euforia, agitação física e mental, insónia, impulsividade, entre outros) seguidos de episódios de depressão major (marcados por períodos de grande tristeza, desmotivação, culpa, lentificação motora e cognitiva, baixa autoestima, cansaço, entre outros) impactando negativamente a vida do sujeito. Na Perturbação Bipolar existem três tipos:
- Bipolar Tipo I: caracterizada por um ou mais episódios maníacos, que podem ser precedidos ou seguidos de episódios hipomaníacos ou depressivos major. A alteração de humor intensa experienciada neste tipo de perturbação bipolar pode provocar um défice no funcionamento social ou ocupacional podendo colocar em risco o próprio ou terceiros, sendo por vezes necessário hospitalização;
- Bipolar Tipo II: caracterizada por um episódio de depressão major que é precedido ou seguido por um episódio hipomaníaco. Para ser classificado com uma Perturbação Bipolar Tipo II é necessário que o episódio de depressão major se mantenha no mínimo duas semanas;
- Ciclotímica: perturbação crónica caracterizada por episódios hipomaníacos e depressivos que não têm duração, frequência e intensidade suficiente para se enquadrarem num episódio maníaco ou num episódio depressivo major, respetivamente. Para que exista um diagnóstico de uma Perturbação Bipolar Ciclotímica é necessário que estes sintomas tenham uma duração mínima de 2 anos (ou 1 ano quando diz respeito a crianças e/ou adolescentes) e não ocorra nenhum episódio depressivo major ou maníaco nesse período.
Como tratar e acompanhar?
No tratamento deste tipo de perturbação, é importante incluir diversas abordagens e valências que capacitem o sujeito a identificar sinais de uma possível recaída, bem como recursos de autorregulação emocional de modo a aumentar a estabilidade emocional e reduzir o número de episódios depressivos e/ou maníacos.
Numa primeira linha, é essencial o tratamento farmacológico (prescrito por um médico psiquiatra) complementado com acompanhamento psicoterapêutico. A psicoterapia irá disponibilizar um espaço seguro onde o sujeito se pode expressar sem se sentir julgado ou criticado. Através de um trabalho cognitivo, comportamental e emocional será fomentada uma maior estabilidade de humor que, por sua vez, facilitará a execução das tarefas do quotidiano e as interações interpessoais.
Aliado à psicoterapia, iniciar práticas de Mindfulness irá permitir que o sujeito aumente a consciência de si e do que o rodeia, proporcionando uma redução do humor depressivo, das dificuldades de foco e atenção, bem como um aumento da capacidade de regulação emocional. Aprender a ouvir o seu corpo e priorizar o seu autocuidado, não descurando a alimentação, hidratação, exercício físico e rotina de sono é fundamental para atingir o bem-estar físico e psicológico.
A psicoeducação é outro fator fundamental, pois, frequentemente, a Perturbação Bipolar é representada de forma exagerada e incoerente, enfatizando a utilização de uma linguagem desadequada, comportamentos agressivos e incapacidade dos sujeitos para manter relacionamentos e as profissões. Esta estigmatização, que provém diversas vezes do medo e desconforto face ao desconhecido, pode originar uma intensificação da instabilidade psicológica e sentimento de vergonha dos sujeitos que sofrem de bipolaridade, atrasando a procura de ajuda e início dos tratamentos. Como falamos da Perturbação Bipolar (e outras perturbações) têm impacto na forma como pensamos e percecionamos os sujeitos com a condição, logo, é crucial que a nossa linguagem seja adequada, focando-nos nas conquistas e recursos dos mesmos e não nas suas dificuldades ou limitações. Educarmo-nos e partilharmos essas informações com os outros promove uma maior literacia e diminui o estigma muitas vezes originado por informações erradas.
Porque não existe saúde sem saúde mental, não descure da sua e procure a ajuda de um profissional de saúde sempre que sentir necessidade.
Micaela Gonçalves
Psicóloga Clínica e Autora do artigo “Relações Familiares em tempos natalícios“
Imagem Por, Vincent van Gogh, “Self-portrait with bandaged ear and pipe” (Kunsthaus Zürich)
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