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O Filme ‘Feitiço do Tempo’, de 1993, mostra-nos a história de Phil Connors, um arrogante apresentador de um canal de meteorologia, que viaja para cobrir o tradicional (e por ele detestado) “Dia da Marmota”.

Após o evento e devido a um nevão, ele não consegue voltar para casa. Desse dia em diante, começa a acordar todos os dias no mesmo “Dia da Marmota”, no mesmo lugar e tudo se repete, de novo, de novo e de novo.

Assistir ao filme dá-nos uma inevitável angústia e leva-nos a refletir sobre o que faríamos se tivéssemos que viver todas as vezes no mesmo mau dia – o filme é uma comédia aparentemente parva, mas que possui um significado cheio de simbolismo.

O Phil é alguém preso dentro da sua própria mente, como somos todos nós. Quantas vezes nos sentimos aprisionados, repetindo comportamentos que nos levam sempre aos mesmos lugares? Quantas vezes os dias parecem iguais: exaustivos, improdutivos, insuficientes? Repetimos padrões de comportamento no trabalho, nos relacionamentos amorosos e insistimos que queremos algo de diferente da vida.

O pensamento de que não conseguimos mudar, comummente causa-nos frustração e ansiedade. A sensação de falta de controle afeta a nossa qualidade de vida e bem-estar emocional. Fomos, afinal, feitos para a previsibilidade, mas é essa mesma previsibilidade que pode nos aprisionar nos mesmos padrões de pensamento e ação.

Quanto Tempo Leva a Mudança?

Inicialmente, o espetador do ‘Feitiço do Tempo’ pensa que não se assemelha a personagem principal: ele é inconveniente e desagradável. Todavia, a cada dia que se repete, vemos-lhe a tentar, errar, tentar de novo, corrigir os erros, retroceder, usar a criatividade, mudar de ideia, encarar as mesmas situações de outra forma.

Quanto tempo isto levará? Não sabemos. A mudança pode levar muito tempo e energia, por isso tendemos a mantermo-nos no mesmo lugar por dias e às vezes anos. Pensamos ter outras prioridades que não seja olhar para nós.

No filme, Phil não teve escolha, pois o tempo parou. E a princípio, o que era um pesadelo, transformou-se em grandes possibilidades. Afinal, o que mudou? Phill.

Quando o Cérebro Aprisiona-nos

Os cientistas acreditavam que o sistema visual do cérebro operava como uma espécie de câmara, que detetava a informação visual disponível no mundo e construía uma imagem fotográfica na nossa mente. Hoje, porém, sabemos que não é assim que o cérebro funciona.

A nossa visão do mundo não é fotográfica, mas sim uma construção do nosso cérebro que é tão fluida e convincente que parece exata, mas não é.

Recebemos diariamente dados sensoriais do mundo exterior através dos olhos, ouvidos, nariz e outros órgãos sensoriais. Esses estímulos chegam a nós sob a forma de visões, cheiros, sons e outras sensações. Porém, na realidade, trata-se apenas de um bombardeamento de ondas elétricas, de químicos e de mudanças na pressão do ar, sem qualquer significado em si. E quando confrontado com estes fragmentos de dados sensoriais, o nosso cérebro tem de decidir o que fazer a seguir. Quando esses dados chegam ao cérebro, ele precisa decifrá-los e para isso tem um catálogo de informação à sua disposição: a memória.

O cérebro recorre às experiências passadas, coisas que nos aconteceram e as que soubemos por familiares, amigos, livros, programas de TV, e fontes mais ou menos confiáveis.

Em átimos de segundos, nosso cérebro reconstrói partes das experiências passadas, enquanto os nossos neurónios transmitem informação eletroquímica entre si, numa complexa rede, em constante mudança. O cérebro reúne estas partes e compara-as, para inferir o sentido dos dados e definir o que há de fazer com eles.

Acrescente-se que as nossas experiências passadas incluem não apenas o que aconteceu no mundo à nossa volta, mas também o que aconteceu dentro do nosso corpo em situações semelhantes (a/o): Coração batia aceleradamente? Nossa mão suava? Nos sentíamos relaxados?

O cérebro pergunta-se o que fez da última vez em que recebeu esses sinais e elabora um plano de resposta que nos ajuda a sobreviver e até a não sofrer novamente. Como é que o cérebro cria sentimentos de terror a partir de um coração que bate aceleradamente? Ele combina informações do exterior e interior da mente, produzindo tudo o que experienciamos.

Esta descrição desafia o senso comum, mas baseia-se no fato das construções do cérebro fundamentarem-se em previsões ou antecipações.

Vejamos um exemplo: já bebeste água e te sentiste com menos sede após alguns goles? A verdade é que quando bebemos água ela leva cerca de 20 minutos para chegar à corrente sanguínea. Então o que será que aliviou a sede? A previsão. O cérebro antecipa as recompensas sensoriais de engolir a água, fazendo com que sintamo-nos com menos sede antes da água ter sequer efeito direto no sangue.

O Que Tem a Ver com Comportamento?

Através da previsão o nosso cérebro prepara-se para a ação. Porém, ele muitas vezes erra o julgamento, o que pode acontecer por muitas razões, sendo uma delas porque o cérebro pode prever equivocadamente que estamos em perigo quando não o estamos. Vale lembrar que os cérebros estão constituídos para nos manter vivos.

Podes pensar na última vez que agiste em piloto automático respondendo a uma provocação? As tuas ações não surgiram do nada, sendo que se nunca tivesse aprendido que responder e proferir provocações a alguém aplacava momentaneamente a tua raiva, não o farias. Se pudéssemos recuar no tempo e mudar o passado, o cérebro faria então uma predição diferente e poderíamos agir diversamente e, então, experienciar o mundo de outra forma.

E Agora?

Apesar de ser impossível voltar no tempo, podemos mudar como o nosso cérebro fará previsões no futuro. Como? Investindo tempo e energia para aprender novas ideias e experimentar outras reações, atividades, alternativas ao pensamento e comportamento atual.

Tudo o que experienciamos e aprendemos hoje prepara o cérebro para prever de modo diferente amanhã.

Por exemplo, com base nas experiências passadas de falar em público, o teu cérebro pode desencadear uma frequência cardíaca acelerada, manchas vermelhas no corpo, sudorese nos pés/mãos, o que nos deixa incapazes de falar sobre o que sabemos e dominamos.

Mas se experimentarmos interpretar esses sinais corporais não como ansiedade, mas como fonte de determinação. Utilizando o nosso corpo a nosso favor, tentando respirar, usar estratégias corporais de relaxamento, levando a que o cérebro entenda que não está em perigo. A mente e corpo estão conectados, os nossos pensamentos influenciam as nossas reações corporais e vice-versa.

Praticando o suficiente, aprenderemos algo novo e as coisas que hoje exigem esforço, com a prática, se tornarão automáticas no futuro.

Podemos, portanto, escolher aquilo a que nos expomos. Podemos, assim como fez Phil Connors: tentar, errar, tentar de novo, corrigir os nossos erros, retroceder, usar a criatividade, mudar de ideia, encarar as mesmas situações de outra forma (…) e criar novos circuitos neuronais.

Conclusão

Phil Connors teve uma grande vantagem: o tempo parou e ele pôde praticar várias vezes até que a sua vida começou a ter mais sentido. Nós não podemos parar o tempo, mas podemos fazer um pouco todos os dias.

Quando queremos mudar um comportamento ou implementar um novo hábito, devemos saber que a mudança ocorre aos poucos e que não há data certa para a mudança se completar ou para o resultado se tornar evidente, mas isto não nos pode desestimular.

Muitas vezes não damos valor às pequenas mudanças, porque no momento não parecem importar grande coisa. Se eu poupar um dinheiro agora, continuarei a não ser milionário; Se eu for gentil com alguém hoje, poderei não aumentar instantaneamente o meu grupo de amigos. Fazemos pequenas mudanças, mas como os resultados não são rápidos voltamos às rotinas anteriores.

Todavia, pequenas mudanças nos hábitos diários podem conduzir nossas vidas a um resultado diferente. Os bons hábitos fazem do tempo um aliado e os maus hábitos transformam o tempo em inimigo. Phil Collins estava preso, mas aprendeu a usar o tempo a seu favor. Porém, primeiro teve que olhar para o mundo com outros olhos.

Carolina Lins

Especialista em Neurociências e Comportamento Humano

Imagem Por, Flo Meissner, “Growing Apart” (Website)

2 thoughts on “Aprisionados Pelo Cérebro: Como o Cérebro nos Prende e Como o Reeducar?

    1. Absolutamente!! A Carolina Lins fez um belo trabalho em explicar-nos sobre o cérebro, as nossas limitações e como as superar

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