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As flores brancas ainda lá estão. A lágrima ficou-me presa no rosto. Ainda cá está. A música tocará, para sempre, no meu coração. E a tua ausência, a meu lado, preenche-me.

Sabes que mais? Vai preencher até te encontrar. Até correr o mundo à tua procura e encontrar-te. Vai preencher-me enquanto te espero. Nesta casa que nem é minha, mas onde, por tua causa, fiquei. Onde já nada me diz nada, mas fiquei. Porque aqui podes regressar. Porque aqui, um dia, podes voltar.

As flores brancas correram o mundo, mas não te correram a ti. Passaram de boca em boca, mas nunca à tua.

E a lágrima suspensa, balança-me na face. Não escorre, não despega, não seca.

Bom seria que as lágrimas me secassem. Bom seria encarar o filho de olhos enxutos. Bom seria ver-te subir a ladeira coberta de neve. E não te imaginar coberto de terra algures na batalha.

Bom seria que ao filho desse o amor que carreguei nas flores. E o abraço e o carinho de que também preciso.

É a dor porque me deixaste. A vida suspensa e a dor que me faz sentir que não tenho vontade de viver. A dor que aumenta a cada suspiro. E a vida que se esvai em cada lamento. A alma que solto e não volta. É a dor até ranger os dentes e enraivecer por me lembrar.

Até me lembrar de quando o piano tocava junto às flores. Que as tuas mãos, suavemente, embalavam as teclas do piano. Quando me prometias amor eterno, uma casa e um casamento. Quando me olhavas e dizias que era para sempre.

Até me lembrar que te levaram para seres carne. Carne enterrada algures onde dizem que não morrem. De onde dizem que todos regressam. Para onde todos vão com a promessa de regresso. Com a boca e olhos no regresso.

Até me lembrar que espezinharam a tua vida e os nossos sonhos. Espezinharam os sorrisos, o amor e a esperança. As cantigas e a bebida no bar.

Apenas deixaram o piano e as flores para me lembrar. Lembrar-me dessa vida que um dia foi. Para me lembrar sempre. Para te esquecer nunca. A ti, que te levaram para seres carne perante o fogo.

Até me lembrar que nos olhos do filho há esperança, mas eu nem sempre a quero ver. Esperança de uma vida melhor se for para lá, longe. Lá, onde as pessoas são pessoas e não carne. Onde quem é pessoa sorri. Onde as pessoas ainda são pessoas.

Onde as cantigas são entoadas de braço dado numa roda-viva. Onde quem sonha pode sonhar sem ser louco. É lá que estás? Onde as pessoas ainda são pessoas?

Ana Serra Lourenço

Jurista, Escritora e Autora da obra “A Noite Onde Me Deixaste” e outros textos como “Um Sonho Perdido”, “Meio Ambiente“, “Sonhos“, “O Fabuloso Destino“ e “Ansiedade

Imagem Por, Arthur B. Davies, “Elysian Fields” (The Phillips Collection)

2 thoughts on “Flores Brancas, Memórias e Lágrimas Suspensas

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