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Quanto do teu dia é feito em piloto automático?

Desde o caminho que fazes até o teu local de trabalho, às tarefas que realizas e até algumas conversas que tens ao longo do dia, provavelmente fazes tudo isto de forma muito automática.

E se a pergunta for: quantas vezes já deste por ti a ir para casa e ao chegares não te lembrares de como fizeste grande parte do trajeto?

A pertinência deste tema surge muitas vezes em contexto terapêutico, uma vez que tendo em conta as exigências atuais da nossa vida parece não haver tempo para esperar, sentir e pensar. Para qualquer percalço que ocorre ouvimos muitas vezes “a vida continua” e quase que mesmo quando queremos experienciar os acontecimentos somos empurrados para ultrapassar e esquecer o mais rápido possível.

Por outro lado, devido à quantidade de estímulos que recebemos, pode parecer mais fácil momentaneamente evitar a dor ao invés de estar em contacto com ela e com as situações que nos fazem sofrer. É fácil compreender como este processo de piloto automático é atrativo, sendo que permite-nos viver de forma aparentemente funcional, pois respondemos de forma automática e seletiva a diversos estímulos recebidos em simultâneo sem que seja necessário dedicar-lhes muita atenção.

Desta forma deixamos de ser protagonistas na nossa vida e somos apenas uma personagem secundária, não tendo muita consciência das nossas atitudes e dos nossos comportamentos. Os dias vão passando e parece que nada avança efetivamente. Não experienciamos, não sentimos e assumimos exigências que nem sempre são nossas, mas do meio em que vivemos e isto, inevitavelmente, trará consequências emocionais e físicas.

Então a pergunta que coloco é: Se continuarmos a manter este ritmo de vida, como estaremos, a nível físico e emocional, daqui a 5 anos?

Deixo esta pergunta em aberto e sigo para uma explicação de como o piloto automático surgiu e porque parece mais fácil para o nosso corpo agir desta forma.

Então a pergunta que coloco é: Se continuarmos a manter este ritmo de vida, como estaremos, a nível físico e emocional, daqui a 5 anos?

O que é o piloto automático?

O piloto automático é um estado no qual agimos sem uma intenção consciente, sem uma perceção consciente atual dos sentidos. Quando surgem pensamentos, imagens e memórias sem que delas tomemos realmente consciência, mas também quando a nossa mente vagueia pela imaginação de situações futuras. Diria que é quase um estado em que estando alienados acabamos por não desfrutar do momento atual.

É através deste processo que muitas das nossas ações e comportamentos ocorrem sem que pensemos nelas. Ora esta é uma competência essencial para a sobrevivência desde muito cedo, pois era importante agir mais do que pensar sobre agir numa situação de fuga ou luta. Esta é uma competência extremamente benéfica, pois se precisássemos de decidir conscientemente tudo o que fazemos, o nosso cérebro ficaria sobrecarregado constantemente. Já imaginaste se tivéssemos que pensar em todos os processos e mecanismos necessários para andar ou respirar?

Por que razão vivemos em piloto automático?

Durante a nossa infância e até ao final da adolescência, grande parte do nosso cérebro e das ligações neuronais são formadas e nesse período são geradas interpretações e crenças. Neste processo vai sendo construída e estabelecida a forma de vermos e percecionar o mundo à nossa volta e a nós mesmos**.**

A cada informação armazenada o nosso cérebro constrói-se e interliga-se através de conexões entre neurónios e diferentes áreas, desta forma aprendemos a falar, a andar, a correr, etc. À medida que a informação adquirida aumenta, aumentam também as ligações neuronais e deixamos de pensar em como realizar essa tarefa que se torna automática. Por exemplo, quando aprendemos a andar de bicicleta é necessário pensar em tudo, como movimentar os pedais, qual a força necessária para que a bicicleta se mova, como movimentar o guiador e por aí em diante. Após alguma prática isto torna-se uma atividade automática e os movimentos deixam de ser conscientes.

O mesmo acontece com as interpretações que temos de determinados acontecimentos. Quando somos crianças criamos ligações neuronais para cada nova situação que ocorre e geramos respostas a esses acontecimentos. No entanto, em crianças o nosso entendimento das coisas é limitado, simples e muito focado no eu. As situações e a realidade são avaliadas de forma irracional e egocêntrica, por isso as interpretações feitas da realidade são muito voltadas para o eu.

Por exemplo, quando uma criança tem um pai ausente, porque trabalha no estrangeiro, a criança pode interpretar esta situação como se o pai não quisesse estar com ela, por isso foi para longe e ainda que ela não é suficientemente interessante ou relevante para que o pai passe tempo com ela. A criança assume assim um padrão de pensamento de que a distância é sinal de insuficiência da sua parte, levando este padrão de pensamento para a sua vida adulta. Deste modo é criada uma forma pessoal e subjetiva de ver e sentir o mundo e a realidade.

A nossa realidade é resultado de um complexo processo de interpretações com base nas crenças e visões geradas durante a infância.

Será desta forma compreensível para o leitor que a maioria dos nossos comportamentos sejam realizados de forma não consciente, mesmo que nos pareçam conscientes e racionais?

Vários são os estudos que afirmam que a grande maioria dos nossos processos mentais e ações do nosso quotidiano ocorrem de forma não consciente, ou seja, vivemos, maioritariamente, através do piloto automático.

A nossa realidade é resultado de um complexo processo de interpretações com base nas crenças e visões geradas durante a infância.

Então qual é o problema do piloto automático?

Este piloto automático torna-nos escravos de hábitos, de padrões de pensamento e de comportamento. Sem dúvida que o piloto automático se torna uma zona de conforto, onde não é necessário muito esforço para sermos funcionais, mas isto acontece também com as nossas emoções, comunicação e pensamentos. Vivemos de forma muito mais reativa, sujeitos a stress, ansiedade, depressão, insónias, falta de foco, sensação de fracasso e sofrimento emocional. Tomamos decisões importantes sem muita reflexão e vivemos numa constante sensação de que os dias estão a passar e não estamos a fazer nada de relevante. A nossa vida torna-se vazia de significados.

Deixamos de ser protagonistas da nossa vida e do nosso rumo e somos apenas uma personagem secundária. Não temos muita consciência das nossas atitudes e dos nossos comportamentos, os dias vão passando e parece que nada avança efetivamente. Não experienciamos, não sentimos e assumimos exigências que nem sempre são nossas, mas do meio em que vivemos.

Reflexão

Voltemos à pergunta que deixei: Se continuarmos a manter este ritmo de vida, como estaremos, a nível físico e emocional, daqui a 5 anos?

Esta pergunta não tem qualquer intenção de julgar. O propósito deste artigo é alertar para a facilidade de entrar neste ciclo de piloto automático e a necessidade de sair deste automatismo, parar e olhar para as emoções, pensamentos e sensações que experienciamos em cada momento.

A aceitação, o cuidado e o processamento das experiências do nosso dia a dia são essenciais para que a longo prazo não se torne algo perturbador e disruptivo.

Como sair do piloto automático?

  1. Faça diferente: Se queres sair do piloto automático começa por te desafiar a fazer as coisas comuns de forma diferente: escovar os dentes com a mão contrária ao habitual; no caminho para o trabalho/casa, nota as casas e as pessoas que passam; mudar algo na tua rotina. Desta forma vais obrigar-te a parar um pouco e a apreciar.
  2. Usa os 5 sentidos: Para sair do piloto automático é também necessário acordar os sentidos que parecem adormecidos na correria dos dias. Permite-te ouvir o que te rodeia, saborear as comidas que ingeres, sentir o tato de algum objeto que tocas regularmente (ex.: o telemóvel na tua mão ou o volante do carro). Que sensações surgem daí? É pesado? É confortável? Faz este exercício para vários objetos e em diferentes situações.
  3. Torna-te consciente: Sempre que mudares de divisão ou de espaço físico, olha para as coisas ao seu redor com curiosidade. Como te sentes em cada espaço? Há alterações físicas no teu corpo? Sentes-te mais leve ou pesado neste ambiente?

Estas são algumas formas para nos despertarmos para uma vida mais consciente, nos libertarmos do piloto automático que nos aprisiona e nos torna apenas um passageiro no autocarro da vida. Afinal, nós somos a personagem principal da história da nossa vida.

Cristiana Gonçalves

Psicóloga

Imagem Por, Maxfield Parrish, “Jason and His Teacher

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