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Considerada por muitos a perturbação de personalidade mais desafiante, a perturbação de personalidade borderline, também referenciada como estado-limite, é uma das mais estudadas em psicologia pela sua complexidade e pelas suas características tão vastas e peculiares.

Esta perturbação pertence ao Cluster B, caracterizada por comportamentos dramáticos, emocionais, inconstantes, impulsivos e pela redução da capacidade de empatia. Pertencem igualmente a este cluster as perturbações de personalidade antissocial, histriónica e narcisista.

Principais Sinais e Sintomas

A perturbação de personalidade Borderline caracteriza-se por um padrão global de instabilidade significativa no relacionamento com os outros, na autoimagem e afetos, apresentando uma impulsividade acentuada, que tem normalmente começo no início da idade adulta. Verifica-se, igualmente, que pessoas com esta perturbação têm um medo intenso do abandono e uma tendência para comportamentos autolesivos, desde o abuso de substâncias, à automutilação e ao suicídio.

Em relação à sua evolução, os primeiros sintomas começam no início da idade adulta, sendo que algumas pessoas começam por desenvolver sintomas do tipo psicótico, como alucinações e/ou delírios, durante períodos mais agudos de stresse. A evolução resulta muitas vezes num agudizar da instabilidade referida anteriormente, com episódios severos de falta de controlo da afetividade e dos impulsos. Na terceira e quarta décadas de vida, a maioria dos indivíduos consegue obter uma maior estabilidade nos relacionamentos e no funcionamento vocacional.

A prevalência estimada varia entre 1.6% e 5.9% na comunidade e 20% em doentes psiquiátricos em internamento, sendo que 75% dos casos ocorrem no género feminino1Dados da American Psychiatric Association – APA, 2013. Esta perturbação é uma das mais prevalentes em amostras clínicas, comparativamente a outras perturbações de personalidade, associando-se a um prejuízo funcional significativo, uma elevada utilização de serviços clínicos (prevalência nos cuidados de saúde primários é de quatro vezes mais elevada do que na comunidade geral) e a elevadas taxas de mortalidade por suicídio, uma vez que um em cada dez doentes morre desta forma.

Características Clínicas e Critérios de Diagnóstico

Segundo o DSM-52APA, 2013, modelo categorial, os critérios para esta perturbação são padrões globais de instabilidade no relacionamento interpessoal, na autoimagem e nos afetos, e impulsividade acentuada, que surge no início da vida adulta e está presente em vários contextos, conforme indicado por cinco (ou mais) dos seguintes:

  1. Esforços frenéticos para evitar abandono, real ou imaginado – não inclui comportamento suicida ou de automutilação, descrito no critério 5;
  2. Um padrão de relações interpessoais instáveis e intensas, caracterizado entre extremos de idealização e desvalorização;
  3. Perturbação de identidade: autoimagem ou sentimento de si próprio marcados e persistentemente instáveis;
  4. Impulsividade em pelo menos duas áreas potencialmente autolesivas (e.g., gastos, sexo, abuso de substâncias, condução imprudente, ingestão alimentar compulsiva) – não incluir comportamento suicida ou automutilante, descrito no critério 5;
  5. Comportamentos, gestos ou ameaças recorrentes de suicídio ou comportamento automutilante;
  6. Instabilidade afetiva, devido a uma acentuada reatividade de humor (e.g., episódios intensos de disforia, irritabilidade ou ansiedade, geralmente com duração de poucas horas e apenas raramente mais do que alguns dias);
  7. Sentimento crónico de vazio;
  8. Raiva intensa e inapropriada ou dificuldades em controlá-la (e.g., episódios frequentes de temperamento, raiva constante, lutas físicas recorrentes);
  9. Ideação paranoide transitória reativa ao stresse ou sintomas dissociativos graves.

Tratamento

O tratamento por excelência na perturbação de personalidade segue a abordagem teórica do modelo Dialectical Behaviour Therapy (DBT). Esta terapia foi desenvolvida por Marsha Linehan especificamente para esta perturbação. É uma terapia cognitivo-comportamental que inclui psicoterapia individual e treino de competências, com base na teoria biossocial. A autora defende que a biologia desta perturbação envolve uma vulnerabilidade fisiológica de desregulação emocional que coloca as pessoas em risco nas respostas emocionais intensas, que geralmente se iniciam rapidamente e têm uma longa duração.

Esta teoria enfatiza a importância do equilíbrio através do conceito de dialética, ou seja, conceptualizando a existência de forças opostas internas, procura-se encontrar um equilíbrio entre a mudança e a aceitação do que acontece no presente, sublinhando a importância da relação terapêutica em si e o tratamento das interferências de comportamentos do paciente e do terapeuta.

Estes processos dialéticos, concretamente no que respeita ao treino de competências referido anteriormente, podem dividir-se em quatro áreas:

  • Regulação de competências emocionais;
  • Competências interpessoais;
  • Gestão de distresse;
  • Competências de mindfulness, de modo que os indivíduos possam, de forma conscienciosa, experienciar e observar-se, a si e à experiência, debelando a falta de sentido de si e alguns eventos que podem ocorrer em fases críticas como despersonalização, dissociação e alucinações.

É importante referir que, para a definição do plano terapêutico, é necessário avaliar as áreas de necessidade de intervenção do paciente e averiguar quais as que constituem maior risco para a pessoa, para definir objetivos prioritários de intervenção psicoterapêutica (como risco iminente de comportamentos autolesivos e/ou tentativa de suicídio).

Desafios Terapêuticos

Uma das maiores dificuldades na intervenção com esta população encontra-se ao nível da incapacidade de adesão permanente aos objetivos de tratamento estabelecidos e ao modelo de intervenção. Por esta razão, acompanhar alguém com uma perturbação de personalidade borderline exige, por parte do terapeuta, uma elevada resistência à frustração, pelos avanços e recuos no processo terapêutico. Em parte, isto deve-se à dificuldade associada em manter um estado de humor estável, sendo frequente que, de forma repentina e sem explicação, a paciente dê por si a sentir-se angustiado(a), irritado(a) ou apático e noutros momentos cheio de energia e eufórico.

João Mourato

Psicólogo Clínico e Autor deste artigo que nos ajudam a compreender a Personalidade Borderline e Perturbações de Personalidade

Imagem Por, Edvard Munch, “Despair” (Munch Museum)

Notas de rodapé

Notas de rodapé
1 Dados da American Psychiatric Association – APA, 2013
2 APA, 2013

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