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Agosto estava à porta, as malas já estavam prontas, para um mês inteiro de férias na aldeia.

Na madrugada de dia 1 de agosto, no velhinho Mini do pai, lá a família fazia-se à estrada.

Apesar de ainda ser noite, no céu aos poucos já se fazia adivinhar o começo de um novo dia. As luzes da estrada apagavam-se e uma mancha vermelha devagarinho surgia no horizonte.

Lisboa já tinha ficado para trás e passar pela ponte de Vila Franca era um verdadeiro deslumbre. Tudo parecia magia, as águas do Tejo que brilhavam, assim como o nascer de mais um dia de calor.

A viagem lá continuava pela estrada nacional. Pelas beiras da estrada já se iam vendo o fruto da apanha do tomate, que caiam dos tratores quando se encaminhavam para as fábricas que iriam transformar o fruto em vários produtos diferentes.

Durante toda a viagem, a vista alcançava os campos de várias culturas, desde tomateiros, vinhas, melões e também árvores de fruto. Quando ao fim de quase duas horas de viagem, avistava-se os campos de milho, verdinhos cheios de esperanças, dentro do carro os sorrisos eram ainda mais luminosos.

A fome já apertava e só se pensava no pão e nos bolos que se compravam na praça da cidade.

Entrar naquele lugar era uma alegria, as cores, os cheiros. Depressa era comprado o que se precisava para os primeiros dias e voltava-se à estrada, para mais uns quantos quilómetros de curvas e contracurvas.

Ao fundo de uma estrada de terra batida, chegava-se ao destino. Chegar àquela casa antiga, pisar o soalho de madeira a ranger e ver os móveis antigos a cheirar a óleo de cedro, era uma emoção.

De braços abertos já lá estavam os tios e os primos. Para eles era sempre uma alegria imensa receber alguém. Queriam saber tudo o que se passava ao longo do ano, da escola, dos amigos, das músicas que se ouvia…

Enquanto os adultos se entretinham com conversas de gente grande, os mais pequenos deitavam-se numa das camas da casa, olhavam para o telhado da casa e faziam planos para aquele mês! Faziam uma lista de tudo o que queriam fazer: ir ao rio pescar, tomar banho e fazer competições para ver quem conseguia fazer saltar pedras até mais longe.

Programavam uma festa surpresa e agendavam os ensaios nas horas de maior calor, quando não se podia andar na rua.

Assim eram as férias de verão… mas a estes momentos magníficos não podia faltar um com que sonhavam o ano inteiro. Ir apanhar amoras.

O cheiro adocicado da fruta madura, era inegável, uvas, figos, mas as amoras, ai as amoras, essas enchiam a boca numa tal tintura doce, que era impossível ficar indiferente.

Mesmo com as silvas a “morderem”, as mãos e as pernas, os primos não se importavam e lá iam eles fazendas dentro, em busca de mais e mais amoras.

Chegavam a casa com sacos delas, mas as suas bocas não conseguiam esconder que já tinham comido uma bela barrigada das mesmas.

As que traziam era para fazer doce. Amoras lavadas, açúcar, pau de canela e casca de limão. Quando o tacho começava a ferver, o aroma invadia a casa toda. Fervia, fervia, algumas ainda se desfaziam com um garfo, mas muito ficavam assim meias inteiras.

Chegava a hora do lanche, um bolo acabado de fazer já chamava pelos primos. Na mesa, uma cesta de pão feito nessa manhã no forno da vizinha, queijo fresco de ovelha também vindo de uma outra vizinha, limonada e bolachas de água e sal e um frasco do doce de amora. Ao destapá-lo ninguém ficava indiferente, tal era o aroma que se espalhava pelo espaço.

No fim do lanche, os primos já pensavam nos banhos refrescantes no rio, agarravam nas toalhas e na companhia dos mais velhos lá iam todos rumo ao rio, por caminhos tortuosos, cheios de pó, mas cobertos de histórias.

Pinheiros, eucaliptos e muitas estevas faziam parte desses caminhos, os mais pequenos gostavam de apanhar pequenas pinhas, folhas de eucalipto de cores diferentes e os “piões” das estevas com que brincavam. Também olhavam para o chão, sempre em busca de uma lasca de “ouro” no meio do pó.

Quando chegavam ao início do fim do caminho, encontravam a ladeira que iriam descer com quase um quilómetro de extensão, vislumbravam o rio, bebiam água e ganhavam um novo fôlego para o caminho que restava.

Quando lá chegavam à beira do rio, pousavam os pertences e alguém gritava “O último a entrar é um ovo podre!” E pelo meio de gargalhadas, gritos e braçadas lá se acabava o sossego na margem do rio…

Mergulhos, chapões, lá estavam na água mais de uma hora, até que cansados saiam e estendiam as toalhas num pedacinho de verde que por lá havia a descansar.

As mães faziam croché, os pais já tinham engodado outra parte do rio e esperavam calmamente que os peixes viessem picar o asticot. Quando se apanhava o primeiro peixe era uma festa… todos queriam ver como era e qual era o seu tamanho.

Os primos, depois de descansarem dos mergulhos, aventuravam-se pelas beiras do rio, em busca de algo que os entusiasma-se, uma planta ou flor diferente, um peixe maior que avistassem e lá mais para o fim da tarde, costumavam por pedacinhos de carne nas beiras do rio e ficavam em silêncio a ver os lagostins a chegarem para comer tal iguaria. Contavam-nos e alguns apanhavam-nos para trazer para casa para pôr no tanque e deixá-los crescer.

Ao fim do dia, de regresso a casa, lá vinham os primos e a restante família, cansados, mas de sorriso no rosto. Um sorriso que iluminava todo o céu, quando o sol se punha e a primeira estrela da noite aparecia.

Assim se passava o mês de Agosto naquela casa, um mês que passava muito devagar, com o canto dos pássaros e das cigarras, a fruta madura e o cheiro doce das amoras.

Esse aroma marcaria para sempre as vivências daqueles primos.

Hoje estas histórias são contadas aos seus filhos, para que não se perca no tempo, as memórias doces que estão guardadas no coração.

Sandra Monteiro

Autora e Escritora dos textos “A Solidão de Nevena”, “Calcei os teus sapatos“, “Receita de um Natal“ e “Uma Vida de Teatro

Imagem Por, Vincent Van Gogh, “Jardin devant le Mas Debray”

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