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Não precisamos de muito tempo de pesquisa para encontrar algo que nos estremece à cerca da palavra “vulnerabilidade”. Se por um lado, começa a fazer parte dos nossos discursos de empoderamento na procura de vivermos uma vida mais nutrida, também é verdade que carrega uma bagagem injusta quanto àquilo que lhe associamos.

Vulnerável: “ferido, sujeito a ser atacado, derrotado: frágil, prejudicado ou ofendido”.

Possivelmente sentiram, tal como eu, um aperto no peito e uma vontade de fugir deste lugar. Quem é que quer realmente estar ferido, sujeito a ser atacado ou derrotado? E porquê fazê-lo?

Quando nos colocamos em situações de vulnerabilidade, estamos, antes de tudo, a colocarmo-nos num lugar fiel àquilo que é verdade para nós. Ser vulnerável implica expormo-nos emocionalmente a nós próprios e ao outro com a incerteza das consequências que irão surgir – serei compreendido/a? Serei abandonado/a? Serei visto?. Perante este conflito de revelar o que é autêntico para nós ou corrermos riscos de várias ordens, ser vulnerável trata-se de um ato de coragem onde os nossos pensamentos e comportamentos se alinham em defesa da expressão dessa mesma autenticidade. Fica então a questão fundamental: como ser vulnerável, sermos coerentes na expressão da nossa verdade e gerirmos as emoções que vêm com o risco a que nos expomos?

A Quem Expressa Vulnerabilidade:

  1. Estar presente no aqui e agora. Para podermos saber qual é a nossa verdade, quais são os nossos pensamentos, emoções e sentimentos que traduzem a nossa vivência, temos que descobrir como estarmos presentes connosco próprios/as, abrindo espaço para nos ouvirmos internamente.
  2. Cultivar a curiosidade. Ao confrontámo-nos com o nosso mundo interno, de certo iremos também encontrar as vozes que nos acompanham na sua observação. Frequentemente, somos acompanhados/as por discursos internos críticos, receosos, protetores ou até negligentes, que vão opinar à cerca daquilo que estamos dispostos a observar – os nossos mais sinceros pensamentos, emoções e sentimentos. Ser curioso, até com estas vozes críticas, é essencial para o passo seguinte.
  3. Tolerar a incerteza. Quando encontrarmos espaço dentro da plateia de vozes que é a nossa cabeça, relembremo-nos da nossa voz compassiva: observar toda esta realidade interna é assustador. Validarmos esta sensação, bem como acolhermos os nossos medos em relação a revelarmo-nos tal como somos, é, mais do que tudo, um ato de amor próprio.
  4. Celebrar os nossos valores. Perante esta gestão emocional, é também importante sentarmo-nos connosco próprios/as e relembrarmo-nos da direção que queremos tomar. Porque estamos a ter esta coragem de sermos honestos/as? Porque estamos a abrir espaço para enfrentar incerteza e sermos vulneráveis? É aqui que reside algo extremamente valioso – porque estamos a querer viver de acordo com aquilo que valorizamos: sermos nós próprios/as.

Como vivemos em relação, nunca seremos apenas a pessoa que expressa vulnerabilidade, mas também aquela que acolhe e recebe a vulnerabilidade do outro. Curiosamente, o processo poderá ser exatamente o mesmo, apenas trocam umas palavras.

A Quem Recebe a Vulnerabilidade do Outro:

  1. Estar presente no aqui e agora. Para que possamos entender qual a verdade do outro, quais são os seus pensamentos, emoções e sentimentos que traduzem a sua vivência, temos que descobrir como estarmos presentes, abrindo espaço para nos ouvirmos internamente e para ouvirmos o outro. Estarmos disponíveis para o outro, implica estarmos presentes connosco próprios/as.
  2. Cultivar a curiosidade. Ao ouvirmos a autenticidade do outro, confrontarmo-nos com o nosso mundo interno e de certo que iremos ser acompanhados/as por vozes internas que criticam o outro, que temem a diferença, que nos querem proteger ou até que querem fazer-nos resolver o outro. Ser curioso, com estas vozes internas que surgem quando escutamos o outro, é uma forma de nos permitirmos ouvir, sem julgamentos, acolhendo incondicionalmente o que a pessoa está a partilhar connosco naquele momento.
  3. Tolerar a incerteza. Quando alguém partilha algo connosco, é importante lembrarmo-nos que eles/as se encontram num lugar de incerteza que poderá ser realmente assustador. Tornarmo-nos num espaço seguro para os outros serem vulneráveis, implica regularmos as nossas próprias emoções ao escutar a sua partilha, de forma a mantermo-nos disponíveis para receber, respeitando os limites e os momentos de expressão de cada um.
  4. Celebrar os nossos valores. Estar disponível para compreender o universo do outro requer valorizar limites. Só assim existem, pelo menos, duas pessoas a relacionar-se. Para que uma pessoa se possa expressar autenticamente, deverá ter limites consigo próprio/a para encontrar tempo e espaço para ouvir esta sua verdade e expressá-la. Para eu me relacionar com outra pessoa, terei de reconhecê-la como tal – alguém que também precisa de espaço, validação, segurança para se tornar vulnerável ao pé de nós.

Praticar a vulnerabilidade nas relações, é, mais do que tudo, dirigirmo-nos na construção de relações íntimas verdadeiras onde duas pessoas ou mais se encontram e partilham aquilo que lhes é mais autêntico. Ser vulnerável é sermos responsáveis por estabelecer limites, procurando tornar o conceito de sujeito a ser ferido, como algo que se pauta pela nossa dedicação a ir ao encontro de relações nutritivas, inclusive, à relação que temos connosco próprios/as.

Mariana Chelo

Psicóloga

Imagem Por, Tahnee Lonsdale, “Ancestors

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